quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Versos pra cachaça

Numa exposição sobre cachaça fui flagrado identificando as já conhecidas 

O Dia Nacional da Cachaça foi ontem, eu nem pude fazer um registro e apenas comemorei em casa, com uma "Douradinha" deliciosa. Mas nunca é tarde pra se falar dum produto nacional tão genuíno e com tantas histórias boas. A data é comemorada pela primeira vez e tem a ver com a Revolta da Cachaça, ocorrida no século 17, quando produtores da bebida nacional lutavam contra a Coroa Portuguesa, que tentava impor a bagaceira, produto feito do bagaço da uva. A data faz parte do esforço de fazer da cachaça a bebida nacional. Nada mais justo!

História e versos sobre cachaça é o que não faltam em nossa Pátria Amada. Em homenagem à nossa bebida nacional, reproduzo um texto do Leonardo Mota falando de cantadores e cachaças.

CANTADORES E CACHAÇA
Leonardo Mota


Um humorista português afirma que o que distingue o homem do bruto é o seu amor ao álcool e ao fumo. Acrescenta que beber água engarrafada é uma inversão da natureza, pois nem a água se fez para as garrafas, nem as garrafas para a água.

Também o poeta paulista Martins Fontes, em conferência sobre "A alegria", disse não haver nada de mais triste, de mais fúnebre entre duas criaturas sentadas a uma mesa do que uma garrafa de água de Caxambu... E Martins Fontes indagava:

— Mas, lealmente, sinceramente, onde entre homens de inteligência, conhecedores da tortura da vida, grandes tristes por serem grandes lúcidos, já houve alegria sem bebida? Não pode haver. Quando a sabedoria popular diz que alguém está alegre, é porque, na certa, esse alguém bebeu alguma coisa.

Do meu convívio com os cantadores me resta suficiente autoridade para garantir que os cantadores, que são também "homens de inteligência e grandes lúcidos", não gostam de água mineral. Entre os mortos tenho notícia de muitos que iam à perfeição de não abusar, sequer, da água do pote, embora não repetissem a velhaca escusa daquele boêmio que se abstinha do uso da água, para não roubar o pão às pobres lavadeiras... Zé de Matos, Rita Medêro, Chica Barrosa... Esta última, a Barrosa, foi assassinada a cacete e faca, durante uma cantoria, na qual andou, embriagada, a dizer rebarbativas inconveniências.

São inumeráveis os versos populares em que, com ingenuidade ou cinismo, se celebra a cotréia:

Aguardente é jiribita
Feita de pau de capucho...
Bate comigo no chão,
Bato com ela no bucho!

Aguardente é jiribita,
Não há bebida tão boa!
Quanto os padres gostam dela,
Que dirá quem não tem c’roa!

Aguardente é jiribita,
Feita de cana crioula...
Quem beber em demasia
Quebra o botão da ceroula.

Meu amo, meu camarada,
Agora vou lhe dizer:
Carro não anda sem boi
E eu não canto sem beber.

Eu fui aquele que disse
Que aguardente não bebia,
Porém já estou debicando
Canada e meia por dia.

Minha mãe teve dois filhos,
Fui eu só que dei pra gente:
Vendi tudo o que era nosso,
Bebi tudo de aguardente.


No sertão, a verdade, dolorosa embora, é a que está expressa na quadrinha:

Não há função
Ou brincadeira
Que não acabe
Por bebedeira.


São populares na Paraíba umas décimas rematadas com o mote "Não é defeito beber". Um exemplo:

Para quem bebe aguardente,
Se mete num grande porre,
Dá, apanha, mata ou morre
O beber não é decente...
Porém dando pra contente
Ou mesmo pra entristecer,
Podendo a cana fazer
Tornar-se franco um sovino,
Direi sempre que combino:
Não é defeito o beber!



(Mota, Leonardo. Sertão alegre; poesia e linguagem do sertão nordestino. 2ª ed. Fortaleza, Universidade do Ceará, 1965, p.134-136)

Leia também um texto de Câmara Cascudo e saiba porque o Santo também "bebe no pé do balcão".

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