domingo, 31 de julho de 2011

O bom combate

Cláudio Ferreira Lima


O Brasil, como qualquer país, tem peculiaridades, por exemplo, o seu ritmo histórico. Para José de Souza Martins, “somos estruturalmente uma sociedade de história lenta”. De avanços em troca de recuos. Nesse sentido, o que se observa, segundo ele, “é o Brasil moderno pagando propina ao Brasil arcaico para se viabilizar” e tal se explica, prossegue ele, pela “singularidade de um país que não fez propriamente revoluções históricas, senão pela metade e inconclusas”.

Em outras palavras, não houve rupturas para valer. Por essa razão, já se disse que a história do Brasil pode ser sintetizada numa só palavra: conciliação. Conciliação das elites, claro. Elites modernas e arcaicas, que, através da história, deixam o povo, a ferro e fogo, sempre à margem, sob uma ordem garantida pelo sufocamento das insurreições e dos movimentos sociais. Remember o ditado: “Quem viver em Pernambuco/não se faça de rogado,/ pois há de ser um Cavalcanti/ ou há de ser cavalgado”.

O resultado disso é que a desigualdade com que o País nasceu pela escravização e marginalização de índios, brancos, negros e mestiços persistiu, até se acumular uma dívida social gigantesca.

Nos últimos anos, porém, as coisas começam a mudar. Essa dívida passa a ser enfrentada, e mesmo abatida. O marco é a Constituição cidadã de 1988, a nova ordem por ela instaurada, quando o País retoma a democracia, a sociedade se organiza melhor, apressa um pouco mais o passo e altera o nosso ritmo histórico. O fato é que, a partir dos anos 90, se esboça, embora só tome corpo no início dos anos 2000, uma política consistente contra as desigualdades por meio de programas sociais.

Conforme o Ipea, os gastos com política social aumentaram, de 1995 para 2009, duas vezes e meia: de R$ 219,7 bilhões para R$ 541,3 bilhões. Mas, em contrapartida, os resultados, a esta altura, já são bem palpáveis. Com efeito, de 2003 a 2009, o número de brasileiros em pobreza extrema caiu quase pela metade, e surge (vemos isso a olho nu em supermercados e aeroportos) uma nova classe média com direito a uma vida decente.

Mas a luta continua. Há mais de 16 milhões de brasileiros em extrema pobreza. E, entre estes, 9,6 milhões de nordestinos, ou cerca de 60% do total! Daí, o Plano Brasil sem Miséria para enfrentar e vencer essa herança maldita, objetivo que, nos dias atuais, é plenamente viável.

Há, como é natural, reações contrárias a essa política. O próprio José de Souza Martins fala em “clientelismo disfarçado do Bolsa Família”. Já Chico de Oliveira, acadêmico sofisticado, cunhou o termo gramsciano “hegemonia às avessas” para explicar que hoje se vive no Brasil um fenômeno segundo o qual parte “dos de baixo” governa, sim, porém com o programa “dos de cima”.

Então, qual seria o bom combate? Enquanto prosseguem as teorizações, prefiro fazer coro com Gonzaguinha: “Eu vou no bloco dessa mocidade/que não tá na saudade e constrói/a manhã desejada”. “Manhã, tão bonita manhã”, de justiça, amor e paz, sem a violência que todo dia acaba com a vida de tantos brasileiros.

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